[MvP] Liodas Proudmoore — O meu nome é Maria

O retorno

do Cão de Caça

Se havia algo em que Liodas era bom em fazer, era dormir. Ele amava passar horas apenas consigo mesmo em seus sonhos. Não era incomum ele sonhar com sua vida anterior ao acampamento, com seu pai quando ainda lhe restava alguma sanidade ou seus desejos carnais. Estava na adolescência, a fase da vida em que os hormônios batalham pelo controle do corpo.

O sonho dessa noite, entretanto, não era uma boa memória ou um de seus fetiches mais vergonhosos. Na verdade, talvez não pudesse ser chamado de sonho. Nada daquilo parecia ser obra do inconsciente do jovem e isso ficou evidente quando uma mulher começou a falar com ele.

“Hera”, pensou em dizer antes dela se apresentar. Enquanto a deusa explicava a razão daquela invasão de privacidade, o semideus formulava suas questões para quando ela terminasse. Mas o sonho terminou antes que as dúvidas fossem sanadas.

— Um portal — repetiu Liodas para ninguém. — Acho que faltei a essa aula, mas se a Rainha solicita…

Sem perder tempo trocando de roupa, o semideus com roupas largas que usava para dormir, ajeitou um espaço no chão para preparar o feitiço que havia no pergaminho. Ele começou juntando o que seria necessário: giz branco, duas pernas de salamandra, seis velas e uma pena de pavão (algo que ele se surpreendeu por ter no chalé de Hécate).

Antes de começar os desenhos no chão ao lado de sua cama, observou se havia nenhum irmão por perto para bisbilhotar o que fazia. Ele não sabia se podia contar a outros sobre o que estava fazendo, muito menos se Hera se irritaria por revelar a outros sobre o seu pedido.

Com tudo pronto, o semideus começou a ler o mantra no pergaminho. Enquanto lia cada verso, fez um corte não muito fundo em sua mão esquerda para pingar um pouco de seu sangue ao redor da pena e das pernas de salamandra.

Se desse certo, Liodas atravessaria o portal com sua faca e sua varinha condão. Ele possuía mais nada para levar, exceto pelas roupas que estava vestido e o pergaminho que guardou em seu bolso.

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do Cão de Caça

Após atravessar o portal que abriu no chalé dos filhos de Hécate, Liodas se encontrou em um dos piores lugares dos quais um deus poderia mandá-lo ir. De acordo com o que tudo indicava, ele estava no fundo de algum oceano, mas não o suficiente para fazê-lo morrer com a pressão, aparentemente.

— Brlll… — Suas bochechas se incharam assim que comprimiu seus lábios para não permitir que o resto do seu ar acabasse.

Era necessário fugir dali, ou morreria afogado e seu corpo jamais seria reconhecido depois de devorado por crustáceos, peixes e outras criaturas marinhas. Isso se alguém o procurasse nesse lugar.

Com movimentos rápidos e um pouco desengonçados por causa do medo, o semideus fez o possível para nadar como se lembrava das aulas de natação em educação física. Todavia, ele sabia que talvez isso não fosse rápido o bastante. Seu ar acabaria em poucos minutos.

Retirando sua varinha de condão do bolso, decidiu testar um dos últimos feitiços que havia aprendido. Apontando para o baixo dele, concentrou-se em imaginar rajadas de vento em espiral, algo como aconteceria se houvesse uma hélice de helicóptero, porém, no mar.

Sua vida dependia do feitiço das brisas.

— Brl-brll! — “Espero que funcione”, foi o que desejou dizer.

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O feitiço das brisas funcionou melhor do que o esperado. Liodas foi lançado para perto da costa de uma ilha e, inesperadamente, sua varinha ativou o feitiço uma segunda vez que o fez cair em terra firme, ou areia.

— Porra — murmurou quando se deu conta da dor do impacto. Não era do seu feitio usar palavrões, por isso o cuidado para que ninguém o escutasse. Algo que o fez rir por um instante, visto que se encontrava em uma ilha desconhecida para ele, talvez desabitada.

Uma pergunta fez o semideus levantar a cabeça e mostrar seus olhos arregalados para uma mulher incomum, exótica. Ela se ofereceu para ajudá-lo e ele aceitou apenas por estar desconcertado. Nesse tempo em que se levantava, foi capaz de notar os objetos no corpo quase despido da moradora da ilha.

“O espelho!”, Liodas encontrou o que Hera lhe mandou buscar, mas estava preso ao ombro daquela desconhecida que o ajudava. De alguma maneira, precisaria conseguir aquele objeto e sair da ilha.

— Ah, obrigado — agradeceu à mulher. — Poderia me dizer em qual direção fica o sudoeste? — Ele não queria saber a resposta daquela pergunta, e sim fazê-la pensar em outra coisa que não fosse ele enquanto apontaria sua varinha para o rosto dela e executaria o feitiço incandescente. Se tudo desse certo, a mulher ficaria cega por alguns instantes, tempo o suficiente para o espelho ser confiscado por Liodas.

Quando conseguisse o objeto, o filho de Hécate tentaria se afastar o mais rápido possível, deixando o espelho preso em sua cintura, a varinha na mão esquerda e sua faca de bronze na outra.

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Tudo estava dando certo nesse dia. O ritual para o portal foi feito com êxito, o feitiço das brisas funcionou ainda melhor que o esperado e o feitiço incandescente deixou a mulher cega como o esperado. Restava apenas fugir da ilha e entregar o artefato à deusa do matrimônio. Ou era isso em que Liodas acreditava.

— O quê? Como? — O semideus não compreendeu de início o que acontecia. Quanto mais ele corria, mais próximo da mulher ele ficava. Quando se deu conta, estava de volta ao chão, caído e sem o espelho.

A desconhecida parecia cantar uma música na qual o filho de Hécate era incapaz de prestar atenção nas palavras, pois a beleza daquela voz era tamanha que o deixava imóvel no lugar. Ele conseguia apenas ver a aproximação de outras mulheres, todas cercando-o ao se aproximarem lentamente no ritmo da canção.

“Magia de música?”, Liodas se esforçou para pensar. Ele ainda conseguia, mas o seu corpo era outra história. Seus movimentos estavam travados, o que lhe fazia sentir como um prisioneiro em seu próprio corpo.

O medo e a raiva começou a preencher seu interior tão rápido quanto o ar de seus pulmões fugia. Então ele percebeu. Seu corpo ainda se movia, mas estava mais conectado às suas emoções do que a raciocínio. Se estivesse correto — e precisava estar —, bastaria exaltar tudo que sentia e permitir que seu corpo agisse por conta própria, ele deveria saber o que fazer naturalmente, aliás, era filho da deusa da magia. Um encanto como esse deveria ser fácil de quebrar, apesar de Liodas não saber.

Quando a raiva se concentrasse, seu sangue iria ferver e suas mãos se comprimiriam, consequentemente apertado a faca que estava próxima a uma mão. A dor talvez o ajudasse a sair daquilo. Era uma possibilidade que ele nem sequer pensou, mas seu corpo sabia, era seu instinto.

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O corte em sua mão fez com que Liodas despertasse do encanto que a música da mulher havia feito. Mas ela não sabia disso e ainda continuava a cantar. O semideus, agora desperto, notou que não havia outras mulheres ao redor. As outras deveriam fazer parte da ilusão da magia musical.

Permanecendo ainda no chão, o semideus se manteve imóvel para fingir que ainda estava na ilusão daquela mulher. Ele precisa bolar um plano e que fosse rápido. Não seria capaz de enganá-la perguntando sobre alguma direção, visto que ela caiu naquilo na ilusão e agora não seria idiota para refazer aquela cena. Um feitiço de fogo talvez fosse eficaz, visto que ela teria que se preocupar com o fogo que ficaria nela. Todavia, Liodas sabia que, para isso acontecer, o feitiço precisaria funcionar e ser forte o bastante para deixar o cabelo dela em chamas, visto que não haviam muitas roupas no corpo da mulher para serem incendiadas.

“Então esse é melhor”, pensou o semideus ao apontar sua varinha para a cantora maluca e desejar que ela experimentasse um pouco do inferno. Dessa forma, ele ativava o feitiço infernal. Seu alvo sentiria um calor indescritível e não seria capaz de pará-lo rolando no chão ou se molhando. “Essa é minha chance”. Agora, com sua faca em mão outra vez — e que ele esperava não ser outra ilusão —, Liodas saltou na direção da sua inimiga, pronto para cravar a lâmina no peito esquerdo que estava protegido somente por seus cabelos. O objetivo era perfurar o coração da criatura e assim conseguir a posse do espelho.

— Morra, vadia.

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