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MOP — O Código de Pã — Aaren Young

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Mensagem por Mnemosyne Dom Nov 26, 2017 3:53 am


O Código de Pã

Como se saísse de um devaneio, Aaren se viu de volta ao seu chalé. Bagunçado, como de costume, mas vazio. Além dela, havia um leão onde deveria estar a porta. O felino a encarava com sua feição indiferente e imponente, então levantou seu focinho, apontando para uma espécie de cilindro do lado dela na cama.

Antes que a semideusa pudesse dizer qualquer coisa, o leão rugiu tão alto que parecia alcançar alguma nota forte o bastante para destruir o lugar e, de certa maneira, ele conseguiu. Aaren mais uma vez se viu de volta ao seu chalé, mas agora o verdadeiro. Apesar de ter acordado de seu sonho estranho, o criptex permaneceu ao seu lado, emanando uma energia que a deixava curiosa.

Uma voz começou a falar na cabeça da filha de Hermes:

“Roube do seguidor do deus morto
Aquilo que serve para músicos, sátiros,
E não para quem vai pelo caminho torto”.

Aaren compreendeu que se tratava de uma missão. Não seria fácil, visto que veio por meio de um sonho e uma profecia de um criptex falante. Suas únicas pistas eram três versos confusos e um bilhete preso ao objeto cilíndrico.

“Ps: Central Park. Foi mal pela profecia difícil” era o que estava escrito no papel preso ao criptex.


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Mensagem por Aaren Young Sáb Dez 02, 2017 2:55 am

the trick to the treat

Era um dia comum no Acampamento Meio-Sangue, exceto, talvez, pelo leão sentado na entrada do cafofo de meu pai. Ele tinha uma cara resignada, como se tivesse mil e uma coisas mais importantes para fazer e ainda assim fosse obrigado a continuar ali me esperando. Quase consegui ouvir um “até que enfim” quando nossos olhares se cruzaram. Minha cara, em comparação, era a de quem tinha acabado de acordar com um leão na soleira da porta.

— Gatinho mansinho? — as palavras escorregaram de minha boca. — Droga, Aaren, muito eloquente...

Para minha sorte falar leonês não era um dos muitos talentos de semideuses. O animal ignorou minha tagarelice e ergueu a cabeça, apontando o focinho para alguma coisa do meu lado. Só então fui olhar o ambiente. Percebi duas coisas esquisitas, talvez até mais do que o leão: a primeira era um cilindro com letras giratórias; a segunda, e que realmente me fez arregalar os olhos, foi o chalé estar vazio. Exceto por mim e o senhor leão, é claro, mas isso só deixava as coisas mais confusas.

Eu não conseguia nem me lembrar de como fui parar ali. Senti minha cabeça voar quando tentei me concentrar no que estava fazendo antes, e então meu corpo todo voava. O animal rugiu alto e o quarto se estilhaçou com se fosse de cristal.

— Uaaaargh! — eu berrei enquanto tentava me agarrar a qualquer coisa. Aquela não era a sensação gostosa de liberdade que eu tinha quando saltava ou sentia o vento na borda de um penhasco – era um puxão. Como se alguém tivesse arrancado o ralo da piscina com eu dentro. Fechei os olhos com força, e quando abri o leão já tinha desaparecido. Eu estava de novo em minha cama. Sozinha. Tremendo.

Demorei algum tempo para perceber que segurava o cilindro, e assim que olhei para baixo uma voz surgiu do nada entoando:

“Roube do seguidor do deus morto
Aquilo que serve para músicos, sátiros,
E não para quem vai pelo caminho torto”.

— Santa Íris, não tinha um jeito mais fácil de me passar o recado? — reclamei olhando para o teto descascado do chalé. Um trovão ribombou e encolhi os ombros. — Foi mal, não quis ofender. É só que... Uma carta também funcionava. Mas sonhos metafóricos com leões têm estilo.

Acrescentei a última parte correndo. Não queria atrair a ira dos deuses logo antes de uma missão. Ou do que eu acreditava ser uma missão, pelas descrições heroicas e superentusiasmadas de alguns campistas. Agora eu precisava pegar armas, montar em um alazão brilhante e salvar o mundo da catástrofe iminente. Com sorte eu encontraria um príncipe em uma torre e nos pegaríamos no meio do caminho.

O que eu fiz, no entanto, passou longe disso. Primeiro porque percebi que só havia um motivo para o chalé estar vazio: eu estava perdendo o almoço. Se você já viu as refeições do Acampamento Meio-Sangue, isso é um crime imperdoável. Enfiei minha touca na cabeça e corri para o pavilhão antes mesmo de escovar os dentes.

O segundo motivo era quase tão importante quanto o primeiro: uma missão não era nem de longe tranquila e heroica. Mas isso eu só fui descobrir depois de encher o estômago, quando encurralei Quíron para falar sobre meu sonho estranho.

— Quer dizer, eu sei que papai passa o rodo em geral, mas uma leoa? Não estava certo. E o senhor leão não parecia afim de me lanchar também.

O homem-cavalo balançava a cabeça com a educação de um professor paciente lidando com uma criança hiperativa. O que era bem o caso, para falar a verdade – meus dedos brincavam com o cilindro e os calcanhares chutavam a cadeira enquanto eu tagarelava sobre como acordei com aquilo em mãos. Só quando terminei meu relato ele fez seus comentários.

— "Roube do seguidor do deus-morte"?  — perguntou com um vinco na testa.

— Ou alguma coisa assim. Eu não tinha nada para anotar e estava atrasada para o almoço. — Dei um sorrisinho de "desculpa, na hora comer pareceu mais importante". — Pode ser um deus morto, também, mas deuses são meio... Imortais demais para isso, não é?

Um brilho de entendimento surgiu nos olhos de Quíron, como se seu cérebro fosse uma máquina enferrujada e eu tivesse acabado de pingar umas gotinhas de óleo.

— Não é? — perguntei de novo, meu sorriso se tornando cada vez mais nervoso. Se os deuses super incríveis e onipotentes eram matáveis, então algo era capaz de matá-los. Algo ainda mais poderoso. Só a ideia de trombar com um ser assim já me dava calafrios.

— Não, criança. Os deuses são uma ideia, uma manifestação de uma consciência coletiva. Eles existem porque a ideia por trás deles existe. Se isso acaba, se o que eles representam acaba... Eles morrem. São esquecidos pelas pessoas.

— Uou. — murmurei. Era triste, tudo bem, mas não consegui conter uma nota de alívio na voz. Nem eu, nem meu pai corríamos o risco de sermos mortos por amnésia global. — Então eu tenho que procurar o quê? Seguidores do deus do Orkut?

Antes que venha a pergunta: não, eu nunca usei nada como o Orkut. Mamãe era bem insistente na regra de “sem internet”, mas isso não impedia meus amigos menos semidivinos de falar a respeito. Chegava a dar aquela invejinha, principalmente quando saíam com os aplicativos de namoro.

Os cantos da boca do centauro tremeram como se fosse dar um sorriso ou me xingar, talvez, mas não fez nenhuma das coisas. Só tornou a balançar a cabeça e disse:

— O último deus morto foi Pã, o que encaixa com o resto de sua profecia. Você deve ir para o Central Park e roubar o instrumento de um seguidor dele.

— Espera. Como um deus morto ainda tem seguidores?

— Os sátiros. Mesmo depois que Pã desapareceu eles continuaram a buscar pelo deus, até que sua morte foi duas vezes confirmada. Agora eles continuam seu legado.

— Tudo bem. Ir para o Central Park, roubar uma flauta de um sátiro e voltar para o acampamento... Parece fácil.


Quíron levantou as sobrancelhas como quem diz “nunca é tão fácil”, mas eu não precisava do lembrete. Sabe-se lá quantos sátiros com flauta havia no parque, e qual delas não serviria para quem estava no “caminho torto”? Eu não podia ir por tentativa e erro, ou acabaria sendo perseguida por uma armada de homens-bode irados. Fiquei ruminando as possibilidades enquanto o centauro fazia os preparativos para minha saída. Eu teria uma carona para NYC, pelo jeito, mas não até o Central Park. Argos e sua van precisavam buscar outro semideus nas proximidades. Coisa de vida ou morte, sem tempo para desvios... Aquela história de sempre. Minha surpresa foi quando descobri que precisava ajudar.

Tudo começou com um “ptssss” e a van avariando. Um sinal bem claro de “seu pneu estourou, se ferrou”, e que aconteceu bem quando estávamos nos aproximando dos caras que deveríamos socorrer. O motorista quase abriu a boca, suponho que para soltar um palavrão, mas se controlou. Apontou para mim, para a formiga do tamanho de um fusca que perseguia o trio e abanou as mãos. Parecia mais um “anda logo” do que um “por favor, Aaren, ajude aqueles semideuses”, mas não se discute com um gigante de mil olhos.

Pulei para fora do veículo e corri até eles, reconhecendo de longe certa cabeleira verde. O Senhor Cara De Torrada, um garoto com quem eu tinha treinado fazia alguns dias, estava lá lutando. Dessa vez, pelo menos, parecia bem acordado. Cheguei do seu lado e disse:

— A cavalaria chegou. Só que sem cavalos. E o pneu estourou, também, então segura a onda aí.

Eu não devia ter feito aquilo. Ele deu um pulo e quase me acertou com a faquinha que carregava. Foi então que percebi um detalhe importante: tinha deixado todas as minhas armas na van.

— Mas que- Young?

— Em pessoa. Tem outra dessas? — apontei para a faca. — Esqueci a minha no carro.

— BILL! —
O grito desesperado cortou nossa conversa. A batalha não abria pausas para monólogos e diálogos engraçadinhos – enquanto falávamos os outros semideuses se esfolavam lutando contra a formiga. A visão do loiro caído no chão com o braço contorcido em um ângulo estranho tirou o Cara De Torrada mais do sério do que saber que eu cheguei desarmada para lutar.

— Arranja alguma coisa de ouro. Rápido — gritou antes de disparar em direção à formiga.

— Útil, Aaren... Você vem ajudar na luta e para um dos caras para conversar — xinguei-me enquanto passava os olhos pela multidão. Alguma coisa de ouro... Não fazia a menor ideia de como isso ajudaria, mas era uma tarefa menos ingrata do que correr para cima do monstro.

Foram necessários alguns minutos para encontrar alguém idiota – quero dizer, confiante – o bastante para andar com um Rolex de ouro na rua. O problema? O cara com porte físico de armário que seguia a madame e seu poodle laranja. Seria difícil passar despercebida com ele encarando todos ao redor. Sendo assim, decidi que meu maior trunfo seria o cachorro. Cheguei com a maior cara de amante dos animais e disse:

— Que lindo!

A madame levantou suas sobrancelhas pinçadas e torceu os lábios vermelho-sangue, mas ergueu a mão quando seu segurança tentou dar um passo a frente.

— Desculpa, senhorita. Eu não costumo fazer isso, mas quando vi seu poodle... Ele é muito lindo. — Desviei os olhos do animal para a dona. — Não só ele, na verdade. Você tem muito bom gosto.

Dei um sorriso de lado. A expressão da mulher se desanuviou e ela acompanhou meu sorriso. Agradeci silenciosamente aos deuses da lábia por não me fazerem pagar o mico do ano.

— Tenho? — ela disse, pescando por mais elogios.

— O suficiente para me parar no meio da rua. — Soltei um riso leve e tombei a cabeça um pouco para o lado. Tive de me segurar para não gritar um “YES!” quando ela repetiu meu movimento. Estendi as mãos em direção ao cachorrinho e perguntei: — Eu posso?

— Como?

— Eu... Eu queria te ver por completo. — Minha voz tremeu um pouco. Torci para ela achar isso fofo, e não esquisito ou suspeito.

A madame deu uma risadinha e me passou o cachorro. Soltei a respiração que não sabia estar prendendo, e então soltei também o poodle. Totalmente um acidente, sabe? Ela gritou “Princesa!”, eu gritei “foi mal!” e o homem-armário disparou atrás do bichinho. Segurei as mãos da donzela de cinquenta anos em perigo e proferi mil desculpas enquanto discretamente tirava o relógio de seu pulso. Coloquei-o para dentro da manga e dei o fora dali, falando que ia ajudar o segurança a encontrar o cachorrinho.

— Achei! — gritei para meus companheiros semiderrotados. Cara De Torrada já estava no chão de novo, com seu amigo Cara Loiro arrastando-o em direção à van. A única mulher do grupo era o que restava entre eles e a formigona, mas ela também já parecia a ponto de cair.

— Achou o quê? — perguntou sem tirar por um segundo os olhos do monstro.

Deixei que o Rolex escorresse para minha mão e levantei-o.

— Um negócio de ouro.

Assim que falei isso todos congelaram. Os semideuses me olharam com uma cara de “você está louca?” e a formiga me olhou com uma cara de... Formiga. Insetos não são muito expressivos. Soube naquele momento que estava ferrada.

O monstro decidiu que eu era um alvo muito mais interessante do que aqueles três. Ele disparou em minha direção antes que a garota pudesse berrar “cuidado!”. Não que ela fosse, o que gritou foi algo tipo “leva essa coisa para longe daqui!”.

Não precisava me falar duas vezes.

Disparei para longe dali com um gritinho esganiçado. Virei curvas, evitei becos, agradeci a Atena por NYC ser um plano quadriculado... E ainda assim não consegui escapar da maldita formiga. Não que eu não corresse rápido, mas o trânsito de Nova York era fatal. Sempre que eu ganhava alguma distância perdia por conta de um semáforo. Entre carros e monstros, entretanto, minha escolha era carros, e isso ficou claro quando me vi entre a formigona e um sinal de quatro tempos.

— Droga, droga, droga, droga... — chiei quando vi a massa de gente me impedindo de virar para a esquerda. Devia estar acontecendo algum evento ali, mas eu não tinha tempo para me importar. O semáforo na minha frente tinha acabado de fechar e o insetão estava chegando perto. Fechei os olhos com força e acelerei.

Só ouvi buzinas e freadas de arranco enquanto murmurava uma oração a Tique. Acho que ela ia com a minha cara, porque saí quase ilesa dessa aventura... Quase. O último carro tirou fino em mim. Tive de me jogar para frente e rolar no asfalto para evitar algo mais sério, o que não fez muito bem a minha pele. O motorista saiu já xingando:

— Filha de uma puta! Quer se matar vai fazer isso sem tirar tinta do meu carro!

O cara parecia ter uns dezessete anos. Bonitinho até, com seu rosto de coração e corpinho de academia, mas perdeu todo o encanto quando chamou mamãe de puta. Ah, a educação nova yorkina... Para seu azar eu também era da cidade.

— Foi mal. Vai ter que explicar para papai o arranhão novo no carro dele.

Ele se aproximou empinado como um pavão.

— Olha aqui, sua cachorra...

Dei um sorriso trêmulo e contornei o rapaz, agarrando o molho de chaves que ele trazia no bolso. Pulei a toda velocidade para dentro do carro e fechei a porta.

— Bom falar com você! — gritei enquanto girava a chave na ignição.

— Tua vaca! Vadia! V-

Antes que ele completasse a lista de xingamentos com V eu já estava acelerando. Virei à esquerda, ignorando se podia ou não, e engoli a seco ao ver a formiga girante se aproximando pelo retrovisor. Meti o pé no acelerador.

— Vamos lá, Aaren... Você consegue — entoava enquanto fazia curvas fechadas e cortava pela direita. — Caramba, estou parecendo o Marcelo.

Quando cheguei no Central Park minhas mãos suavam. Era um pequeno milagre que eu não tivesse passado por nenhuma blitz no caminho, e um maior ainda que não tivesse batido, mas sabia que não estava segura. Monstros conseguiam farejar semideuses à distância. Era só questão de tempo até que a formiga gigante me encontrasse.

Vasculhei o carro em busca de algo que pudesse usar para me defender. Tarefa essa bem complicada, já que mortais não costumam carregar metais mágicos no bagageiro. O melhor que consegui foi um extintor de incêndio – pequeno, pesado e que borrifa coisas desagradáveis. Não mataria, mas poderia me ajudar a fugir em uma emergência.

No meio da minha busca também encontrei caneta e um guardanapo, o que me deu uma pequena ideia sobre como devolver meu empréstimo não consentido. Rabisquei no papel:

“Senhor Bombadinho,

A gente começou com os dois pés esquerdos, mas sem motivos para guardar rancor ou prestar queixa na polícia, né?

Fica aqui o endereço da loja em que minha mãe trabalha (vendendo carros, só para constar). Fala que eu te mandei lá que ela passa uma cerinha nesse arranhão e o carro sai novinho em folha. Seu pai não fica sabendo, as autoridades não ficam sabendo... Tudo perfeito.

Beijos,
Young Jr.”

Deixei o bilhetinho no porta-luvas junto com a chave. Só esperava que o rapaz chegasse ali antes de um ladrão de verdade aparecer. Com isso resolvido saí do carro e encarei o portão a minha frente.

—Okay. Central Park. — Inspirei fundo. — Agora é encontrar o sátiro e roubar a flauta antes da formiga assassina me encontrar. Simples.

Tão simples que meus problemas começaram na portaria.

— Ei, garoto! Você não pode entrar com isso! — um guardinha apontou para meu extintor e disse.

— Foi mal, senhor. Me pediram para entregar isso aqui na administração. Não te avisaram?

Era um blefe arriscado. Fiz minha melhor cara de tédio e incômodo em resposta à carranca mal-humorada do guarda. Se ele franzisse um pouco mais o cenho teria uma monocelha.

— Eles trocaram os extintores ontem.

Oh, droga. Balancei os ombros bem devagar para me dar tempo de pensar em uma resposta.

— Só me falaram para trazer isso aqui. Talvez tenha faltado um, sei lá. Também achei estranho.

Ele ficou me encarando como se tentasse abrir um buraco na minha testa. Forcei um bocejo depois de alguns segundos daquilo, e então ele relaxou um pouco.

— Eu vou ligar para a administração, fica aí.

— Vai lá, chefia. — falei, e assim que o guarda virou de costas eu corri para dentro do parque. Aquela tinha sido por pouco. — Okay... Agora é roubar a flauta antes que a formiga ou o guardinha me encontrem.

Ou a Senhorita Rolex, ou o bombadinho que xingou minha mãe, ou a polícia... Minha lista de coisas a evitar estava tomando proporções alarmantes. E é claro que a primeira a me encontrar foi a mais perigosa.

Eu perambulava pelo parque quando vi o brilho da carapaça sob o sol. Não precisei de dois segundos para saber a quem pertencia.

— Fala sério... — deixei escapar. A formiga estalou aquelas lâminas monstruosas que tinha na boca e virou-se para mim. — Inseto bonzinho? Não?

Tentei quebrar o lacre do extintor de incêndio, mas era difícil fazer aquilo enquanto segurava o Rolex. Enfiei o relógio no bolso e comecei a recuar. Quando o bicho viu o brilho dourado ficou louco: estalou as presas como se pedisse “me dá” e avançou em minha direção.

— Mal aí, também tenho que devolver esse.

O lacre se rompeu com um “tlec” e eu espirrei espuma na cara do monstro. Virei-me logo em seguida e saí correndo por minha vida. Era uma reprise do que tinha acontecido na cidade, mas agora com menos carros e mais árvores. Ah, e com guardinhas que me expulsariam se me vissem.

— Como eu consigo me meter nessas situações? — choraminguei. Eu tinha de bolar um plano, e rápido. Era questão de tempo até que algo desse muito errado.

Foi nesse momento que vi o carrinho de amendoim abandonado.

Eu não fazia ideia de por que ele estava lá. Talvez fosse providência divina, talvez o dono tivesse escolhido uma péssima hora para ir ao banheiro. Só sei que eu o pulei, enquanto a formiga gigante tentou passar por cima e acabou com a perna presa nos restos mortais do pobre carrinho. Pelo menos ele teve sua vingança.

Isso me deu tempo de ganhar a dianteira e sumir outra vez na floresta. Agora eu tinha a oportunidade de pensar em um jeito de sobreviver àquela luta. Sem armas. Sem fôlego. Sem amigos. Tudo por querer ser gente boa e confiar no Cara De Torrada.

A primeira coisa que fiz foi subir em uma árvore vistosa. A formiga não podia me partir ao meio se não me pegasse. Cheguei no galho mais alto que consegui alcançar e arranquei uma trepadeira que estava enrolada nele. Coisa longa, forte e extremamente difícil de soltar. Senti um frio na barriga quando ela cedeu – tirou meu equilíbrio. Deslizei pela madeira e gemi de dor enquanto meus machucados reabriam. Minhas costas bateram no tronco, o que não foi legal, mas ainda era melhor do que uma queda.

Como eu não queria colocar fogo no parque com um extintor explodindo, esvaziei seu conteúdo ali mesmo. Agora havia um lindo tapete branco embaixo de mim. Isso feito, arrastei-me de novo para o meio do galho e tirei o Rolex do bolso. Amarrei-o na ponta da trepadeira e desci o relógio bem devagar até o chão.

A formigona apareceu logo depois balançando suas antenas. Daquela altura parecia ter o tamanho de um cachorro, e não de um fusca, o que ainda era maior do que qualquer inseto que eu quisesse encontrar. Dei uns puxõezinhos na trepadeira e o monstro começou a andar para a coisa brilhante.

— Quase lá... — murmurei.

Uma gota de suor brotou em minha testa quando a formiga chegou no ponto ideal. Soltei o extintor de incêndio e...

Tumph.

Ele caiu bem ao lado dela. Um pequeno erro de cálculo em uma armadilha quase perfeita.

— Ai, minha Tique.

A criatura olhou para cima e estalou as presas. Parecia saber que eu tinha tentado mata-la, e agora estava decidindo se retribuía o favor ou pegava o Rolex. No final não fez nenhum dos dois. Suas antenas congelaram no ar e começou a andar para frente. Passou direto pelo metal brilhante, se embrenhando na floresta em busca de algo que eu não conseguia ver. Mais problemas, supus.

Eu estava pronta para seguir pela direção oposta quando ouvi a música. Flauta. Soltei um muxoxo triste.

— Por que a flauta mágica não pode estar na área de piquenique? Não, tem que estar para o lado da formiga monstro...

Recolhi o relógio e desci para o chão. Eu já tinha chegado até ali, afinal de contas, não ia voltar para casa e tentar outra vez amanhã. Não queria saber o que ia encontrar amanhã. Segui com cautela a trilha do insetão, até que a mata se abriu em uma clareira repleta de animais. Havia coelhos, ovelhas, cavalos, insetos... Até o poodle laranja da Lady Rolex. Para a minha felicidade, nada ali era tão perigoso quanto minha amiga gigante.

No centro de todos eles estava um cara lindo de morrer. Exceto, é claro, pelas pernas de bode. Seus cabelos castanhos caíam em cachos perfeitos pelos ombros, contornando o rosto triangular que era acentuado pelo leve resquício de barba. Tinha uma silhueta esguia, feminina, e eu posso ter ficado uns três segundos parada enquanto observava aqueles olhos dourados. Posso ter babado, também.

O sátiro riu da minha cara de lesada. Descolou os lábios finos da flauta e disse:

— Procurando por isso?

Minha resposta foi um eloquente “hãmn”. Ele riu de novo. Era uma risada leve e gostosa, dava vontade de rir junto.

— Eu te ouvi, sabe? Quando você chegou. — Passou o dedo pela extensão do instrumento. — Você queria uma dessas.

— Não eu, eu. Mais os deuses do Olimpo ou alguma coisa assim — consegui finalmente formar as palavras.

Então ele fez a coisa que mais me surpreendeu no dia inteiro, e olha que acordei com um leão no quarto. O rapaz-bode estendeu a flauta em minha direção e disse:

— Pode pegar.

Pisquei sem entender. Estava ficando doida ou o sátiro acabara de me oferecer a flauta?

— Sério? Assim fácil?

— Você quer que seja difícil? — Ele levantou as sobrancelhas.

— Não. Fácil está ótimo, valeu.

Talvez o cavalheirismo não estivesse morto. Preferia que estivesse, para falar a verdade, mas se aquilo me poupasse de uma luta eu não iria reclamar. Fui me aproximando do Senhor Boa Pinta até que vi um brilho estranho a minha frente. Meu sorriso tremeu.

— Mas diz aí, estou curiosa: por que o golpe de boa vontade? — perguntei. Não queria mesmo saber – já tinha encontrado a resposta. Só precisava de uma desculpa para parar minha caminhada enquanto procurava por mais armadilhas. Aquele fiozinho semitransparente com certeza não era o único.

Ele deslizou os dedos pelo cano, tocando uma melodia simples e triste.

— Um bode não pode ser generoso?

— Nenhum motivo em especial, então? — Ergui uma sobrancelha. O sátiro abriu outro daqueles sorrisos impossíveis de não acompanhar, como se fosse compartilhar um segredinho só nosso.

— Eu gosto de você, menina de Hermes. Você é engraçada.

Ali estava. A dois passos de distância, o fiozinho fino estendido pelo chão. E alguns metros adiante também, e outro quase ao lado do sátiro. Soltei um risinho bobo e voltei a andar, tomando cuidado para não pisar naquelas coisas traiçoeiras.

— Quando você põe desse jeito... — cantarolei.

Ele ficou de boa quando evitei o primeiro fio. Já no segundo seu sorriso diminuiu. Quando eu estava prestes a pular o terceiro o rapaz-bode trouxe a flauta para perto do corpo e disse:

— Acho que você tem razão, eu não devia dar algo assim de graça. Tem um preço.

— Eu sei que você não prometeu, mas é feio oferecer e depois não dar — falei com uma surpresa fingida.

— Mas eu vou dar. É algo fácil para alguém como você. — Piscou um olho, recuperando parte da compostura perdida. — É só resolver três desafios.

— E é fácil para mim por que...?

Ele riu. Foi então que percebi o fio bem ao lado de sua cabeça.

— É fácil porque eu gosto de você, quer ver? — Inclinou-se para frente com uma leveza etérea. Quase me vi acompanhando o movimento e esbarrando na terceira armadilha. — O primeiro desafio é contar uma piada.

— Uma piada, só isso?

— Só isso. Nem precisa ser muito engraçada.

Parecia fácil demais para ser verdade, mas eu não estava bem com pressa de sair da clareira.

— Vamos lá... Nessa missão eu fui acordada por um leão, roubei um poodle e um Rolex, fui perseguida por uma formiga do tamanho de um carro, roubei um carro, enganei a guarda, escalei uma árvore, quase caí da árvore, montei armadilhas... Tudo para no final fazer um sátiro gato rir e me dar sua flauta. Se isso não é uma piada, eu não sei o que é.

— Justo — falou com uma risada rouca. — Os deuses adoram brincar.

— Estou sabendo. Mas eles podiam tanto brincar de não me fazer ser perseguida por formigas...

— Sim, eu tenho brincadeiras muito melhores. — Um trovão estourou, mesmo não havendo uma única nuvem no céu. O sátiro encolheu-se. — Brincadeirinha! As suas são muito melhores, oh, divindades celestias. O que me dá uma ideia...

Ele abriu um sorriso perverso, no estilo dos que Marcelo dava quando ia me apresentar a uma nova pista.

— Qual é a de caras gatos com essas manias sadistas? — pensei alto.

— Sadistas? Ah, não é nada do tipo. É uma ideia... Divina falou com mais humor do que deveria. Engoli a seco, encarando descaradamente o fiozinho ao lado de sua cabeça. Se não fosse por ele eu agarraria a flauta e sairia correndo. — O seu segundo desafio é tocar a flauta.

— Você não acha que eu vou tentar correr com ela?

O Senhor Nem Tão Boa Pinta tocou outra vez a melodia triste.

— Você não iria estragar a brincadeira, iria?

Sim, com certeza.

— Pfff, é claro que não!

— Que bom! Porque meus cavalos te atacariam se você tentasse.

— Melhor que formigas gigantes. — falei com um balançar de ombros. — Mas Senhor Sátiro Boa Pinta, temos um probleminha: eu não sei tocar flauta.

Ele soltou outro de seus risos calorosos, quase me fazendo esquecer o que estava acontecendo. Seus cabelos reluziam como um olho de tigre quando inclinava a cabeça para trás.

Droga, Aaren, concentração.

— Você tem que prestar atenção nos detalhes, menina de Hermes: eu nunca disse tocar bem. — Estendeu o instrumento para mim. — Meus desafios são fáceis, se você souber jogar. E se não souber... Eu sempre posso te dar pequenos spoilers. O que importa é a diversão.

— Como recusar, não é? — falei com menos ânimo do que deveria, pegando a flauta e colocando sua ponta na boca. Tampei buracos aleatoriamente e soprei. Um som desafinado saiu do instrumento, seguido por vários outros conforme eu movia os dedos em uma tentativa de simular a melodia triste que o sátiro fizera. O resultado também foi triste, mas em outro sentido.

— Muito... Muito... Bom! Bravo! — o rapaz-bode disse entre gargalhadas. Ficou assim por um bom tempo antes de recuperar a pose, e eu só olhando e esperando o que viria a seguir. Malabarismo de pombos, talvez?

Eventualmente ele deu uma tossidinha e continuou:

— Desculpa. Você passou no segundo desafio. Agora, antes do terceiro... Eu queria te fazer uma proposta. — Uniu os dedos e se inclinou para frente, abrindo aquele sorriso que derretia todas minhas defesas. — Eu tenho minhas mascotes, mas você não tem nada para garantir que eu vá cumprir minha parte do acordo, não é?

— Que bom que notou.

— Eu acho isso injusto, e um jogo só é interessante se as duas partes têm chances iguais. Então minha proposta é essa: façamos um juramento. — Ele se aproximou mais. Eu quase conseguia sentir sua respiração no meu rosto, agora. — Eu vou jurar que se você vencer o desafio te darei a flauta, e você vai jurar que se perder nunca vai tentar roubá-la de mim.

— Claro.

— Pelo Estige.

— Nem tão claro. Que Steve?

Ele pareceu genuinamente surpreso, e não de uma boa maneira.

— Pelo Rio Estige — explicou com uma calma e veludez que me deixou preocupada. — Quando se faz um juramento, se faz por alguma entidade da natureza. Para garantir que nenhuma das partes vá quebrar o acordo.

— E se alguém quebrar...?

O sátiro deu um sorriso de lado.

— Você ofende a entidade. Não é educado.

Era uma péssima, péssima ideia, mas de algum jeito eu me vi dizendo:

— Vamos lá.

O sorriso voltou a ter aquele ar sinistro.

— Muito bem, menina de Hermes. Teria a honra de começar?

— Os cavalheiros primeiro. Você é quem tem os bichinhos, não é?

— Justo. Eu juro pelo Rio Estige que se você completar esse desafio não vou te impedir de levar a flauta.

— E eu juro pelo Rio Stev-

— Estige.

— Isso aí. Juro pelo Rio Estige que se eu perder o desafio não vou roubar sua flauta.

O sátiro uniu os dedos e riu como um vilão de desenho animado. Soube naquele momento que eu estava irremediavelmente ferrada.

— Eu devia mencionar... Se você quebrar um juramento pelo Estige, terá uma morte súbita e dolorosa.

Meu rosto ficou branco como gesso.

— Devia mesmo. — falei com um risinho nervoso.

— Mas não se preocupe, o desafio é fácil — ele disse, o que só me deixou mais preocupada. — Quase igual ao anterior.

— Você quer que eu toque bem? — choraminguei.

Ele jogou a cabeça para trás e gargalhou. Santa deusa das más escolhas... O que eu tinha feito?

— Nada tão cruel — garantiu. — Só quero que você toque flauta... Com ela invertida.

Eu fiquei com um sorriso nervoso congelado no rosto enquanto apertava o instrumento.

— Sem chance.

— Já vai desistir? — Escorregou para trás do toco em que se sentava e apoiou os cotovelos nele. — Quando Apolo sugeriu o desafio para um dos meus ele pelo menos tentou.

— Me fala que o sátiro teve uma vitória gloriosa...

— Ele foi esfolado vivo até que seu sangue formasse um rio — respondeu como se comentasse sobre o tempo. “Ah, a tarde está sangrenta hoje, não acha?”.

— Droga.

Olhei para os lados em busca de uma escapatória. Era uma pegadinha de nível divino, a que eu enfrentava, e minha única chance de conseguir o instrumento era encontrando uma brecha.

— Tecnicamente eu estou tocando na flauta. — Encolhi os ombros.

— Boa tentativa. Mas é tocar flauta, não tocar a flauta.

Murmurei alguns choramingos e palavrões criativos. Aquilo, porém, não ajudaria – ele tinha razão. Eu precisava de uma luz. Talvez... Um novo ponto de vista? Esbugalhei os olhos conforme outra das minhas ideias malucas surgia.

Andei pela clareira olhando na cara dura cada mínimo fio e armadilha que eu encontrava. Não era pouca coisa. O sátiro só ficou me observando com interesse e curiosidade. Talvez esperando que eu tropeçasse em algo para rir da minha cara. Mal sabia ele que era exatamente isso que eu pretendia fazer.

Depois de alguns minutos rodando encontrei o que eu precisava: uma “trepadeira” que seguia até o chão, terminando em um círculo escondido por folhas. Enfiei meu pé bem no meio dele e soltei um gritinho quando a corda apertou e me puxou para cima. Senhor Boa Pinta soltava gargalhadas. Eu estava de ponta cabeça.

— Eu nunca... Pensei... Bravo! Bravo! — ele voltou a gritar. Quando se conteve o sangue já tinha subido para minhas orelhas. — Eu vou te tirar daí, menina de Hermes.

— Ah, não precisa — falei. Foi a minha vez de dar um sorriso travesso.

Encostei a flauta nos lábios – totalmente invertida, assim como eu estava – e repeti a melodia horrível de antes. O queixo do rapaz-bode caiu. Ele correu para cortar a corda e me soltar, mas já era tarde demais. O desafio estava completo.

— Ganhe- Ai!

Sua cara de surpresa até valeu a dorzinha de bater a nuca no chão. Sentei e ri, esfregando a região onde com certeza um galo surgiria.

— Isso foi... Isso foi trapaça! — exclamou.

— Os desafios são fáceis se você souber jogar. — parafraseei-o. — Eu aprendi a jogar, Senhor Boa Pinta. Valeu pelas aulas.

A incredulidade em seu rosto se transformou em raiva. Estendeu os dedos longos e delicados em minha direção como se quisesse arrancar a flauta de mim. Ou agarrar meu pescoço, talvez, mas qual fosse o caso não podia. Acho que eu não valia uma morte dolorosa, o que era bom – aquele rostinho era muito perfeito para desaparecer do mundo. Ainda mais quando relaxou e recuperou o ar de divertimento.

— Tudo bem, menina de Hermes. Eu não vou te impedir. Mas — ah, como eu odiava os “mas” — também não vou te ajudar a sair daqui. Boa sorte lidando com minhas mascotes.

No minuto seguinte ele já tinha dado o fora dali. Eu fiquei sem entender – exceto pela formiga gigante, não havia nada de perigoso na clareira. Andei até o poodle laranja e peguei-o no colo. Se eu desse sorte toparia com a dona dele no caminho. E se desse azar poderia, sei lá, deixa-lo no “Achados & Perdidos” do parque?

— Roubando flautas e resgatando poodles... E nenhum beijo de príncipes em apuros. — O cachorrinho me deu uma lambida. — É, não era isso que eu esperava de uma missão.

Pelo menos estava acabado. Ou assim eu pensava antes de sentir alguma coisa afiada e dolorosa se fechar em meu traseiro.

— Au!

Dei dois pulinhos para frente e me virei. Um dos cavalos me encarava, a boca suja de sangue e trazendo um pedaço da minha calça. Seus olhos eram estranhos, ferozes, e carregavam uma fome assustadora.

— Oh, droga... Hora de dar no pé — falei já começando a correr.

As árvores passavam como borrões marrons que eu tinha de evitar, assim como as pessoas e o cheiro do carrinho de pipoca que quase me fez parar. Que horas eram? Será que eu chegaria ao acampamento a tempo da janta? Sacudi a cabeça. No momento eu tinha de me concentrar em não ser o jantar. Cavalos mordedores de bunda corriam muito mais rápido que formigas gigantes. Para a minha sorte – ou azar – um deles tinha comido a formigona, então eu não precisava mais me preocupar com ela.

— Ei, parado aí! — berrou uma voz conhecida. O segurança da madame, procurando o cachorrinho perdido no parque.

— Oi! — entreguei-lhe o poodle e o Rolex. — Tchau!

Não fiquei para ver sua cara de “o quê?”, só continuei correndo e torci para que os cavalos não gostassem de carne mortal. Também não parei quando os guardinhas do parque chamaram minha atenção. Saí direto pela primeira portaria que vi e continuei na calçada.

— Carro... Onde... — ofeguei. Não tinha ideia do que fazer agora. Ouvia os cascos atrás de mim e tinha certeza de que seria pega na primeira esquina. Precisava de uma saída. Rápido.

Pensei em tentar outra corrida suicida no meio dos carros – era melhor ser atropelada do que virar lanche –, mas outra coisa capturou meus olhos. Um ônibus. Parando em um ponto a cem metros de distância. Prendi o fôlego e acelerei. Aquela era minha única chance de sair inteira dali.

Agarrei a porta e me espremi para dentro quando ela estava prestes a se fechar. As pessoas abriram espaço, o que era um grande feito considerando o quão lotado estava o ônibus. Acho que estar suada, sangrando e sem um pedaço da calça foi incentivo o suficiente para tirar todo o mundo de perto.

É claro que ainda teria mais isso para completar o meu dia.

Tive de fingir que tropecei na escada para esbarrar em alguém e afanar um cartão de metrô. Horas desesperadas requeriam medidas desesperadas. “Paguei” minha passagem antes que o coitado desse falta de algo e deixei a coisinha escorregar de meus dedos.

— Ei, é seu? — perguntei para o dono enquanto apontava para o cartão no chão.

— Uh? — Ele enfiou a mão nos bolsos, e não encontrando nada neles se abaixou para recuperar o item totalmente não roubado. Abriu um sorrisão e falou: — Obrigado.

Balancei os ombros. Tentei dar um sorrisinho torto, também, mas a dor atrapalhava.

— ‘Nada.

O homem não deixou só por isso. Ficou o resto da viagem tentando puxar conversa e tagarelando sobre gentileza urbana enquanto eu só pensava “ai,meu traseiro...” e soltava eloquentes “uhum” e “é mesmo”. Pelo menos tive a chance de perguntar aonde aquele ônibus levava.

Não existia bem uma “Linha Semideuses” que dava direto no Acampamento Meio-Sangue, e não tive a oportunidade de marcar com Argos uma hora e local para me buscar. Minha única solução foi pedir socorro a mamãe.

— Aaren? — ela disse quando abriu a porta de casa e me viu sangrando no tapete.

Minha mãe era uma mulher bonita, mas tinha a aparência sempre cansada. Os cachos loiros estavam presos em um coque decadente e os olhos amendoados eram cercados por olheiras fundas. As unhas lascavam pela falta de cuidado, e seu vestido chemise já tinha visto dias melhores.

— Você está pior do que eu. — Ri, mas era de nervoso. Eu odiava vê-la assim.

— Ah, meu bebê... O que te aconteceu?

Ela me puxou para um abraço e eu retribuí meio sem jeito.

— Nada demais. Eu caí de uma árvore.

Mamãe se afastou mantendo as mãos bem firmes em meus ombros. Levantou as sobrancelhas com desconfiança.

— Aaren...

Cocei a nuca.

— E também fugi de cavalos.

Ela continuou me encarando.

— Mordedores de bunda — acrescentei com relutância, virando o rosto para escapar daquele olhar perfurante. — Mas é sério, mãe. Eu estou inteira.

Tive meus ombros libertos do agarrão.

— Bebê... Vem aqui. Eu vou pegar o kit de primeiros socorros.

— Não precisa! Sério mesmo, só quero te pedir uma carona.

— Eu fiz macarrão... — cantarolou, se virando e entrando na cozinha.

Mães conhecem mesmo suas crias.

— Eu acho que dá para adiar a carona...

Depois de vários curativos, um beijinho na testa e muita macarronada, mamãe ainda conseguiu me chantagear com comida para que eu lhe contasse os detalhes de minha aventura. Detalhes esses que eu tive de repetir um a um quando cheguei no acampamento e me encontrei com Quíron.

— Entendo. E onde está a flauta? — o centauro perguntou quando terminei meu relato.

— Ela está... — Tateei a cadeira onde tinha deixado o instrumento e não senti nada. Meu rosto perdeu a cor. — Estava bem aqui.

Oh. Droga.

(ross)


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Mensagem por Mnemosyne Qui Dez 07, 2017 10:52 pm


Avaliação

Aaren, repito outra vez que sua narrativa é muito boa e envolvente. Parabéns.

Você melhorou nos pontos que comentei na última avaliação, mas ainda os repetiu um pouco, mais no final do seu texto. Como sua missão ficou extremamente comprida, eu compreendo que tenha chegado no final cansada e com pressa para terminar. É muito comum, até para mim, mas isso prejudica a pontuação de qualquer maneira.

Enfim, você foi muito bem em sua missão e completou quase todos os objetivos propostos (Eu não esperava por isso!). Parabenizo novamente.

Epílogo


Quando retornou ao seu chalé, ainda dolorida pela mordida, mas de estômago cheio de macarronada e livre do relatório que precisou fazer a Quíron, Aaren reencontrou o criptex. Na primeira vez que o tinha visto, não fazia ideia de qual poderia ser sua senha. A profecia não parecia dar nenhuma dica, porém, a semideusa relembrou as palavras do diretor do acampamento sobre o último deus morto quando viu uma das letras possíveis no final do criptex, um N.

“NEOPAN” foi colocado numa tentativa que surpreendeu a semideusa, pois o objeto se abriu. Dentro do criptex, havia uma chave que não servia para portar comuns, e sim para carros. Depois de muito procurar pelo acampamento, ela acabaria achando um carro com o interior de com várias partes de madeira falante.

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