EVENTO - CORRIDA DE CAVALO

Era a primeira vez que River entrava no coliseu. Tinha passado por ele algumas vezes, observando de longe a magnitude da construção, mas nada se comparava a atravessar aquele portal e ver de perto a imensidão do lugar. Sentiu-se perdida, como uma criança do interior que vê pela primeira vez um arranha-céu, mas se forçou a manter o foco. Tinha um motivo para estar ali.

Apertou o bilhete em suas mãos e guiou seu recém-adquirido cavalo até um cocho, onde ele enfiou a cara na alfafa e começou a comer como se não houvesse amanhã. Deu um sorriso de lado. Parecia uma criança se bagunçando no almoço. Passou a mão pela pelagem amarronzada e balançou a cabeça.

“Deixe um pouco para os outros.” Pediu.

Deu dois tapinhas no flanco do animal e caminhou até a tenda principal. Lá uma garota de cabelos rosados tagarelava sem parar com um campista sonolento, unindo e separando as mãos a todo instante e parecendo não se lembrar das fichas de inscrição sobre a mesa. Não que isso importasse – não havia muita gente para preenchê-las. River foi até a menina ao seu lado, que observava num interesse silencioso a semideusa do cabelo rosa conversar.

“Eu quero me inscrever para a raia 10.”

Ela abriu um sorriso e estendeu o papel para a filha de Nêmesis, que preencheu todos os campos e devolveu-lhe.

De volta ao cocho, River tentou convencer seu cavalo a deixar a alfafa de lado. Ele não parecia muito interessado. Suspirou e começou a selá-lo ali mesmo, até que o animal finalmente abandonou a comida e deixou que a garota o conduzisse para o lugar onde esperariam a largada.

“Não pare para comer no meio do caminho.” Avisou, puxando as rédeas quando ele abaixou a cabeça para abocanhar alguma coisa. Dessa vez, ao menos, ele obedeceu. Esperava que continuasse assim na corrida.

Posicionaram-se na baia e River inclinou o corpo sobre o cavalo. Equitação não era algo que ela fizesse, mas isso nunca a impediu antes. Era melhor tentar agora do que em uma fuga ou em um campo de batalha. Firmou-se e esperou o estouro da largada, a tensão se espalhando pelos músculos conforme o tempo corria.

#26

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Pégasos, unicórnios... Apenas no extremo oposto da pista era possível ver outra pessoa à cavalo. Um garoto ruivo e pequeno, pouco mais que uma criança, que River pensava já ter visto na arena. A filha de Nêmesis agarrou com firmeza as rédeas de Beltane, voltando seu olhar para a pista. Precisaria de toda sua concentração se quisesse ter chances de ganhar.

O tiro soou. Com um estalar de lábios fez seu cavalo disparar, a crina marrom subindo e descendo conforme os cascos golpeavam o chão. A adrenalina subiu, uma mistura de medo, tensão e diversão anestesiando sua mente e fazendo com que quase se esquecesse de que estava em uma competição. O som da plateia urrando e dos outros competidores cavalgando pela pista eram lembrança o suficiente, no entanto, e a garota  manteve-se firme. Precisava ficar atenta, mesmo que não houvesse sinal de obstáculos físicos à frente. Por mais que aquela fosse uma competição sob os olhos dos deuses River não acreditava que todos fossem jogar limpo.

#28

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O cavalgar de Beltane se intensificava conforme os metros passavam. Ele parecia gostar de correr, e River não fazia nada para restringi-lo. Considerando sua falta de experiência no assunto era melhor deixar que o instinto natural do animal trabalhasse sem muita interferência. Ao invés de se preocupar com isso, a semideusa segurou a borda da sela com uma das mãos e focou sua atenção nos outros competidores. Não havia como ver em detalhes o que estavam fazendo sem tirar os olhos da pista, mas a falta de xingamentos e acidentes mostrava que jogavam limpo. Por enquanto.

Os narizes dos cavalos estavam lado a lado quando a primeira barreira se aproximou. Beltane mal precisou de um comando – saltou sobre a barra vermelha com maestria. O impacto da queda foi sentido pela condutora quando os cascos voltaram ao chão, apenas para subirem em um novo salto cinquenta metros à frente. River arfou. O animal podia estar acostumado com isso, mas ela com toda certeza não estava. Apertou a sela com tanta força que sentiu os dedos doerem.

#29

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River não conseguia mais ver seus adversários, exceto pelo garoto do cavalo. Engoliu a seco e voltou sua mão para as rédeas. Não tinha uma grande vantagem, conseguia ouvir o pégaso logo atrás dela, mas estar na frente ainda a colocava em uma posição de destaque. Um alvo para jogadores maliciosos.

A preocupação da semideusa não afetava Beltane, que continuava a correr com energia pela pista. Isto é, até o cavalo perceber que se aproximava de um lago e decidir que era uma ótima hora para beber água. Começou a diminuir o ritmo e a abaixar a cabeça. River puxou as rédeas e estalou os lábios numa mensagem clara de “não me venha parar agora”. Bateu os pés nas ancas do animal. Ele acelerou e, sem dar o menor aviso, saltou sobre o lago. A garota arregalou os olhos, sua mão voando para agarrar a sela.

#31

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Sentiu uma lufada de ar quando as asas do pégaso negro bateram, impulsionando-o para frente e cobrindo a distância entre ele e Beltane. Estavam outra vez empatados na vanguarda. Agora, no entanto, não havia sinal do garoto ruivo. O som distante de ‘splashes’ indicava que ainda estava atravessando o lago. River largou a cela e deu um tapinha agradecido em seu cavalo – o salto fora assustador, mas não deixou que atolassem na lama.

Os metros à frente seguiam vazios, o que seria bom para ganhar velocidade. Olhou de relance para o rapaz que guiava o pégaso e então outra vez para a pista. Não queria cansar Beltane, ainda estavam na metade do trajeto, mas agora que a outra montaria usava as asas aquele era o melhor ponto para ultrapassá-la. Mordiscou o lábio e cutucou as ancas do animal.

“Eu vou conseguir dez baldes de alfafa para você depois dessa.” Disse enquanto o cavalo aumentava o ritmo do galope.

#32

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Mesmo com todo o esforço, Beltane continuava pareado com o pégaso negro. Não que o cavalo ou a condutora se importassem. Ele estava ocupado demais aproveitando a cavalgada, enquanto ela estava preocupada demais com o novo obstáculo. Assemelhava-se a um espelho gigante emanando luz. Sólido, mas não exatamente físico. E o que era mais importante: não parecia algo que Beltane conseguisse pular.

A semideusa franziu a testa. A cada bater de cascos a coisa se aproximava e o tempo para pensar diminuía. Duvidava que pudesse derrubar aquilo por força bruta, mas as habilidades que herdara de sua mãe não ajudariam em muita coisa contra barreiras mágicas. Se ao menos pudesse se focar no conjurador... Sacudiu a cabeça. Ainda assim não seria justo ataca-lo. Teria de encontrar outro caminho.

O vinco em sua testa afundou. Talvez focando seus poderes na barreira pudesse derrubá-la sem afetar quem a criara. Se tivesse o propósito de defender, ela poderia absorver a maior parte do impacto.

Era uma aposta alta, mas sua melhor até agora. Sacodiu as rédeas e fez a montaria aumentar o ritmo. Focou-se na superfície espelhada. Pensou em fogo, na raiva por quem transgredia, e no desejo por justiça contra aqueles que escapavam impunes. Era difícil formar essas ideias sem uma pessoa para ligar a elas. Era difícil odiar quem não tinha nome nem rosto. O único gatilho que tinha era uma barreira mágica, intransponível se River não conseguisse se focar. Ou se qualquer semideus não tivesse um conjunto específico de habilidades, na verdade, em uma corrida que era aberta a todos.

Aquilo era um gatilho.

Concentrou-se na injustiça da situação e esperou que chamas se formassem ao redor de Beltane, que parecia pela primeira vez reagir ao ânimo da condutora. Ódio era contagiante. Ou talvez a visão do fogo não fosse muito agradável para o animal.

“Não vão te machucar.” River falou, colocando sua mão no pescoço do cavalo.

Ele acelerou em direção à barreira, seus cascos flamejantes prontos para bater contra a superfície espelhada. River semicerrou os olhos e esperou pelo que o futuro guardava.

#33

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