✮ Clareira do Alba ✮

Minha clareira era ampla, rodeada de árvores labirintosas para que os campistas não achem o meu santuário com facilidade. Até porque, eles não precisam saber da minha existência. Somente os espíritos são permitidos, pois somente eles conseguem achar a minha casa sem muitas dificuldades. Os raios de sol rompem as copas criando feixes luminosos de luz intensa no meio das sombras, pintando a clareira de dourado como respingos de tinta amarela em meio ao verde. Geralmente pétalas e folhas dançam no ar como uma chuva, um balé de outono.

Eu geralmente fico no centro da clareira onde há uma arvore branca como a neve e suas folhas são vermelhas o ano todo. Quando meu irmão morreu, ele se tornou esse arvore e eu virei deus. Minha clareira, nada mais é que um mausoléu e eu sou seu guardião. Ainda bem que ninguém sabe disso ou eu seria o deus mais esquisito que existe.

As ninfas estão sempre por perto me observando pelas arvores ou chamando meu nome no vento. De noite, antes de dormir, elas se deitam comigo e passam a noite inteira esquentando minha "cama". Alguns sátiros fazem o mesmo, mas ou me infernizam de tarde ou me acordam de madrugada para festinhas particulares. Fico cansado só de lembrar da quantidade de pelos que essas criaturas tem.

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Em todo o caso, eu estou sempre lá, pelado ou semi nu (As vezes tô de macacão velho, mas usando nada por baixo) rodeado de flores e borboletas, esperando o tempo passar. Nada escapa dos meus ouvidos. Ouço cada respiração, cada passo invasor da floresta.

Me espreguicei pelas folhas avermelhadas que caiam sobre mim, roçando meu corpo na terra, sentindo as vibrações da natureza e os sussurros das flores ao me informar que alguém estava caminhando sem rumo pelos caminhos da floresta. Eu não liguei muito pra isso. Geralmente os campistas fazem isso mesmo, mas o cheiro de dama da noite me dava náuseas me indicando que algum filho artificial de Hecate estava rondando por ai.

Mordi meus lábios sentindo o prazer de acordar animado (se é que me entendem), roçando minhas coxas pelo meu membro e instintivamente tocando meu mamilo direito com a mão esquerda e agarrando a minha nuca com a minha mão direita. Me permiti um segundo de prazer e depois me enfiei como pude dentro do meu macacão surrado.

Permaneci sentado debaixo da arvore albina despedaçando uma rosa também alva. O que eu estava esperando? O dono do perfume enjoativo aparecer através da parede de arvores que cercavam o meu lar:

- Mal me quer... Bem me quer... - pétala a pétala eu cantarolava baixinho.

Meu olfato nunca falha. Filho de Hecate. Dava pra sentir a magia natural da minha clareira sendo hostil com a magia roubada desse garoto. O cheiro de dama-da-noite era forte e destruía o perfume biologicamente correto das flores silvestres. Mas eu sorri mesmo assim. Ele parecia perdido.

- Esse é o meu santuário - mausoléu na verdade.

Arrumei a alça do meu macacão velho que insistia em cair pelos meus ombros e deixar o meu peitoral mais nu do que deveria estar. A pele do meu peito estava iluminada por um raio de sol e meus olhos mais castanhos que chocolate ao leite. Minha boca molhada e meu sorriso de fada era um convite.

- Sente-se comigo... - convidei-o soprando ao vendo meu hálito de frutas silvestres e afofando um espaço ao meu lado com três tapinhas leves contra a grama.  

O garoto sentou-se, mas estava tão fascinado com o lugar que fazia perguntas e não ouvia as minhas respostas. Achei graça e sorri de canto, deitando a minha cabeça no ombro e o observando. O menino parecia criança quando vai ao zoológico pela primeira vez. Sorri com o pensamento e lembrei-me de meu irmão quando ainda era vivo.

Sem notar, haviam flores brancas de todos os tipos ao nosso redor, brotando em resposta ao que eu sentia.

- Esse é o meu santuário, porque sou um deus... - Falei tocando meus dedos no ombro do garoto, apertando a área de levinho e subindo pelo seu deltoide devagarinho, até que minhas falanges acariciavam os cabelos da nuca do menino fascinado pela minha clareira - hum, não sei se ouviu falar de mim, mas me chamo Albafica - falei sereno como um sussurro de brisa de verão.  

Desviei o olhar do menino ao me distrair com um voo de borboleta, mas minha mão ainda fazia carinho nos cabelos da nuca desse filho agressivo de magia não natural.

- Seu nome é? - disse distante. Longe. Como se não me importasse com a resposta.  A alça do meu macacão cai, mas eu não ligo pra isso. O sol estava gostoso de se sentir na pele nua.

Liodas. O filho da magia não natural se chamava Liodas. Não era feio, eu sentia ate mesmo um pouco de mistério ao ouvir o nome do garoto. Toquei seu rosto com delicadeza e acariciei sua bochecha com meu dedão - Bonito nome - confessei abrindo um sorriso de lábios e em seguida baguncei seus cabelos.

Permaneci em silêncio acompanhando o garoto e pude observar as ninfas fofocando de longe sobre como o garoto estava próximo de mim e elas estavam com invejinha. Eu escuto elas, pois as plantas me reportam todas as fofoquinhas que essas pilantras fazem. Respirei fundo não dando bola e casualmente peguei a mão do semideus que estava ao meu lado, trançando nossos dedos sem muita pretensão.

Espero que ele não ligue para meu vício...

- O que faz aqui...? - quebrei o silêncio sem olha-lo.

  

Eu me perguntava: quais era as responsabilidades de um semideus? Fazia tempo que eu me tornara imortal e naquela época eu era o herói que fora prometido, a estrela do acampamento. Ou algo assim. Não era de fato um fardo, nem minha responsabilidade como meio-sangue. Era um prazer cumprir o desejo de minha mãe e deixar meu pai orgulhoso.

Toquei o rosto de Liodas com a minha mão livre e sorri aproximando meu rosto do dele até que a pontinha do meu nariz roçasse de leve contra o nariz do garoto mágico - Se não me chamar pelo nome, me chamaria de que? - disse meio bobo com um leve tom de ironia. Beijei a bochecha do garoto com suavidade, deixando meus lábios molhados amornarem o rosto do meu novo amigo - Sobre o peso que carrega... - sussurrei colando minha bochecha à dele, deslizando meu rosto até que meus lábios se aproximassem de seu ouvido - ... eu posso te ajudar a carrega-lo? - sugeri com minha voz profunda e lentamente descolei meu rosto do dele, ainda deixando meus olhos castanhos como tronco se perderem na mirada de Liodas.

Minha mão ainda estava pousada nele e os meus lábios sorriam. Nossas mãos trocavam um calor bom e meu coração ecoava profundo dentro de mim. Uma ou outra borboleta pousava em meu ombro farto.

O dia estava lindo.

  

Nem liguei para o que Liodas disse. Eu não era sexy e tampouco solitário. Estou sempre rodeado de ninfas ciumentas, sátiros babões e outros espíritos aleatórios da natureza. Tudo o que eu mais queria era um momento meu e meu irmão (olhei de relance para a arvore).

Dei de ombros e meneei a cabeça pedindo silenciosamente para que Liodas conte-me seus problemas de semideus - Eu tenho tempo, sou imortal - falei me aconchegando no tronco alvo, me espreguiçando, fazendo meus ossos estalarem e meus músculos se estenderem.
  

Fracasso. Eu lembro da sensação de fracasso quando não consegui salvar meu gêmeo de seu destino fatal. Mamãe sempre preferiu Aterica à mim, e a prova disso é que ele morou com ela no Olimpo enquanto eu fui instruído por meu pai aqui na terra dos viventes.

Ruminei meus pensamentos enquanto fazia carinho na cabeleira do garoto mortal. Acho que ele buscava alguma esperança, algum tipo de refúgio e eu, como sendo o deus dos caminhos que a floresta leva, trás e se perde, posso ajudá-lo de alguma forma... - Mesmo não sendo um espírito da natureza - ...Pensei alto.

- Hum... pelo que sei, eu só me tornei um deus porque fracassei e estou fadado a zelar por esse santuário até o fim dos tempos - falei saudoso. As flores antes brancas começaram a se tornar vermelhas de uma coloração rosada que logo tingiu a forragem com tons intensos de sangue e se tornaram negras, se despedaçando no meu jardim - Se você cai, quer dizer que pode se levantar ainda mais forte... só precisa confiar na força da tua alma - tagarelei e quando percebi, havia trançado algumas flores na cabeleira de Liodas.
  

Liodas tocou meu rosto e eu franzi o cenho. Não era sempre que me tocavam sem meu consentimento, mas eu não podia permitir algo do qual eu não pedia permissão: o toque. Então eu deixei a mão do garoto onde estava, me concentrando em sua pergunta.

Toquei o chão e fiz a terra tremer ao mesmo tempo que unificava as arvores da clareira numa coisa só, criando muros de madeira que se uniam de uma ponta a outra cobrindo o céu em tons de mogno e marrom. Meus olhos brilhavam em tons de folha e e as flores rompiam a madeira e a terra mostrando seu poder. As borboletas de revelavam fadas e a medida que meu sorriso inflava e meu coração se alegrava, as flores se perfumavam a ponto de explodir em pétalas que dançavam m balé enquanto caiam pela forragem verde e intensa. O reboliço dos espíritos da natureza traziam paz e esperança...

- Eu confio em mim, e por isso posso fazer milagres... - confessei orgulhoso e a natureza aos pouquinhos voltava ao normal - Imagina se você confiar em você mesmo? - perguntei para incentivar o garoto a ser melhor.
  

O perfume mágico de dama-da-noite estava oscilando, indicando que algo perturbava o garoto de alguma forma. Eu sou viciado na pele dos outros, mas em questão de sentimentos, não tenho muito tato. Quer dizer, eu tenho, já fui humano e eu sei que uma cabeça só não aguenta tantos sentimentos e pensamentos de uma única vez.

Agarrei o garoto, lhe envolvendo com meus braços fortes. Meu cheiro de homem suado de luz solar e madeira invadiram o corpo do garoto e meu rosto achou um lugar especial pelo pescoço do filho de Hecate.

- O que te perturba? - Perguntei ao é de seu ouvido, molhando meus lábios ali mesmo - Como posso de fato te ajudar? - instiguei.

Meus dedos se agarravam as roupas do garoto e meu peito nu colava ao dele. Eu podia sentir sua pele quente na minha e isso me arrepiava. Contato é sempre bom. É natural. Deslizei meu rosto pelo dele até que meu nariz roçasse com o dele e nossos lábios ficassem a centímetros de se tocarem. Meus olhos fitavam os dele, querendo que ele me desse respostas...

- Não seja mesquinho... Diga-me - disse essa ultima parte como se ordenasse algo que não podia ter.  
  

Previsível. Ok, nem tanto. Se ele fosse um espírito do campo, era sabido que minha aproximação, ou melhor, minha existência resultaria num rápido beijo. Não que fosse um crime. As ninfas e sátiros que passam por aqui, vivem fazendo coisa pior do que roubar um beijo aqui ou acolá.

Eu apenas sorri desajeitado e toquei meus lábios de mel. Quando eu era mortal, as pessoas da minha escola viviam se aproveitando de mim, pois meu jeito especial de se aproximar era e continua sendo perigoso e de certa forma sedutor.

Eu poderia me explicar e dizer uma porção de desculpas, mas - Se é isso que lhe fará melhor... - falei num sussurro e dedilhei o peito do garoto a medida que inclinava meu rosto na direção oposta da inclinação da face de Liodas. Molhei meus lábios com cautela e me aproximei devagarinho de sua boca.

Respirei fundo fitando seus lábios e mirando o olhar do garoto mágico. Minha mão já acariciava a base do pescoço de Liodas e meus dedos buscavam engalfinhar-se em seus cabelos da nuca. Ameacei beija-lo uma vez, roçando meu nariz ao dele e uma outra vez mordendo meu lábio inferior bem próxima dos lábios mágicos que tanto me queriam...

- Se perca em mim... - disse sussurrante num tom profundo e distraído. As ninfas só estavam de olho e fomentavam sobre como as coisas se procederiam.

Lhe dei um selinho suave e aos poucos, conforme meu corpo se empolgava e nossas salivas se misturavam, fui buscando mais de seus lábios, aos poucos lhe devorando a boca com a minha, sentindo seu gosto de dama-negra a cada troca de desejo que estalávamos um na boca do outro. Mordisquei seu lábio inferior, puxando a carne um tantinho para provocar e voltei a beija-lo de forma contínua e sufocante. Nossas respirações estavam sincronizadas e a cada beijo bem situado, uma flor rosada brotava ao nosso redor. Me afastei um pouquinho para olha-lo, mas um fio de saliva não permitia que nossas bocas se descolasse, então sorri entre os dentes de Liodas e deis mais uns dois beijos longos, seguidos de algumas provocações e selinhos de ternura.

Passei meu dedão carinhosamente pela boca do garoto - Esqueceu-se do mundo por um instante? - perguntei lhe dando mais um beijo carnudo e babado, buscando tira-lo de órbita por mais uma vez.

Liodas parecia estar mais tranquilo quanto aos conflitos de sua alma. Acho que minhas responsabilidades como senhor desse lugar acabaram de aumentar. Além de ficar de olho nos espíritos que me cercam, preciso cuidar dos jovens deuses para que não entrem em confusão. além de alguns campistas, tais como Sammi e agora esse garoto fascinante.

- Pode voltar quando bem entender. Se eu não estiver aqui, estou na minha loja que fica um pouco mais próxima do acampamento - apontei para o sul - indo naquela direção...

Eu não sabia muito mais o que falar. Mas minha mão ainda agarrava algum pedaço da roupa de Liodas na tentativa de prolongar um pouco mais a sua companhia. Tenho quase certeza que é involuntário. Eu costumo ficar agarrado com as pessoas... contato é um vício bom e perigoso de se ter, mas é um preço alto a se pagar. Pois geralmente não consigo ser amigo de ninguém, já que todo mundo confundo toque com desejo sexual.

- Apareça... - falei mordendo meus lábios de leve, franzindo o cenho um tantinho como se ele nunca mais fosse surgir pelos muros de árvores.